sexta-feira, 5 de março de 2010

Uma raposinha solitária

Antoine de Saint-Exupéry, em seu livro mais famoso, O Pequeno Príncipe, escreveu acerca dos laços de carinho formados entre as pessoas.
Na história, o menininho de cabelos de ouro, trava um diálogo com uma raposinha, que lhe ensina o valor da amizade. Eis abaixo alguns trechos selecionados.

Tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...

Nesta semana, aconteceu-me algo que abalou-me profundamente. Um buraco, um vazio na alma é como descrevo. O vazio de uma perda, como a perda da morte.

Na verdade, sinto que conhecê-la, foi-me mais gratificante que para ela conhecer-me. No entanto, sei que amou-me com toda força que podia. Ela tornou-se importante para mim. Eu depositei nela a confiança que poucas vezes na vida depositei em alguém. Então, quando ela se foi, doeu muito, pois fora como se um pedaço de mim fosse arrancado...

Minha vida é monótona. Eu caço as galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens se parecem também. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra.

Com ela, abri muitas vezes meu coração. Contei daquilo que me afligia, daquilo que eu sonhava, daquilo que me alegrava, daquilo que me entristecia. E eu também a vi chorar... Ela conheceu meu verdadeiro caráter. Na presença dela, muitas das minhas máscaras eu não utilizei... Ela conheceu como realmente sou.

O teu (passo) me chamará para fora da toca, como se fosse música. E depois, olha! Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo...

Antes de deixar-me, eu já sentia saudades dela. Aliás, eu sentia saudades todas as tardes que me despedia dela. Tudo bem, tudo bem... eu já sentia saudades algumas horas antes da hora de me despedir. E é esta amizade que torna um local de trabalho tão agradável.

Às vezes, deixava-me um pouco confuso, pois, parecia-me um pouco arisca e misteriosa, enquanto outras vezes, extremamente dócil e transparente. Eu aprendi a amá-la da maneira como ela é, e isto enriquece profundamente meu coração.

A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens não têm mais tempo de conhecer alguma coisa. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!

Amigos são tesouros preciosos, raros, que não se encontram facilmente por ai. Com um pouco de tristeza eu confesso: creio que não alcancei esta marca em seu coração, e talvez, seja minha maior decepção. Não sei ser tão bom amigo, como ela soube ser.

É preciso ser paciente, respondeu a raposa. Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia, te sentarás mais perto...

Quando eu soube que trabalharia com ela, imaginei tudo diferente. Imaginei que brigaríamos, imaginei que não a amaria. Mas todos os dias, quando ela chegava, eu a observava do lado onde estava. Aprendi dela pouco a pouco, até que, um dia, ousei aproximar-me e surpreendi-me quando a vi permanecer em seu lugar.

Teria sido melhor voltares à mesma hora, disse a raposa. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração...

Lembro-me que sentava-me próximo a ela, perguntava como ela estava. Dividíamos muitas coisas. Ela me fazia feliz. Eu amava muitíssimo sua companhia, aguardando com expectativa, uma pessoa leal.

Bem, no final, o principezinho cativou a raposinha e correu ver as rosas que não a sua.

Vós não sois absolutamente iguais à minha rosa, vós não sois nada ainda. Ninguém ainda vos cativou, nem cativastes a ninguém. Sois como era a minha raposa. Era uma raposa igual a cem mil outras. Mas eu fiz dela um amigo. Ela á agora única no mundo.

É como sinto. A única no mundo. Por isso, o sentimento de perda é ainda maior...

Sois belas, mas vazias, disse ele ainda. Não se pode morrer por vós. Minha rosa, sem dúvida um transeunte qualquer pensaria que se parece convosco. Ela sozinha é, porém, mais importante que vós todas, pois foi a ela que eu reguei. Foi a ela que pus sob a redoma. Foi a ela que abriguei com o pára-vento. Foi dela que eu matei as larvas (exceto duas ou três por causa das borboletas). Foi a ela que eu escutei queixar-se ou gabar-se, ou mesmo calar-se algumas vezes. É a minha rosa.

Mariana foi minha irmã e companheira. A ela eu digo: Obrigado por tornar nosso trabalho tão leve e agradável. Tu serás inesquecível para mim. Tu enriqueceste minha vida com sua amizade. Tu és única em todo o mundo. Espero que tu não te esqueças de mim, pois “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. Deixaste-me órfão, mas alegro-me, porque agora, estás livre para voar. Escrito por Cléber em 05/03/2010.

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