terça-feira, 9 de outubro de 2012

Nostalgésico

O menino parecia um pouco triste, quando a vaca aproximou-se para conversar...

 - Olá amigo meu, sobre o que tu estás a pensar?
- Olá amiga minha, só estava aqui me lembrando de algumas coisas...
- Eu poderia saber que coisas são?
- É claro que podes... Eu pensava sobre as coisas que fazia quando eu ainda era apenas uma criança.

Neste momento, a vaca fez uma pausa para reflexão. Afinal, não era exatamente um adulto que conversava com ela.

- Estou curiosa, prossiga!
- Eu me lembrava da época em que nos reuníamos e colhíamos o milho e tirávamos o leite das vacas!
- Desta última eu me lembro muito bem..., disse a vaca com um pouco de ironia.
- Eu e meus irmãos encontrávamos nosso pai no campo. Quando chegávamos lá, ajudávamos a cortar e a carregar as espigas na carroça.
- E isto era muito especial para ti?
- Era mesmo, tu não imaginas como...
- E por que era tão especial?
- Porque naquela época, nós brincávamos e conversávamos enquanto debulhávamos as espigas. O trabalho era muito divertido. Quando os vizinhos vinham ajudar, a festa era ainda mais bonita.
- Eu tive a impressão de que isto te deixa um pouco triste.
- Eu fico um pouco triste porque hoje nós não fazemos mais assim.
- Não? Eu poderia saber o porquê?
- Não faz muito tempo, meu pai e meus tios compraram uns tratores. Agora, com a chegada da colheita, nós ficamos aqui e eles se vão, fazendo todo o serviço.
- Entendo...
- E antes, pelas manhãs, tirávamos nós mesmos o leite das suas amigas.
- Entendo mais ainda...
- Agora, eles tiram o leite com mangueirinhas.
- E por este motivo nós perdemos nossa seção matinal de massagem abdominal há algum tempo, emendou a vaca.
- Viu? É por isto que me sinto um pouco triste.
- Eu compreendo teu sentimento. Isto não passa de pura nostalgia.
- “Nós”, o quê?
- Eu disse, N O S T A L G I A!
- Sempre me aborreço com tuas palavras difíceis...
- Calma, menino, que eu te explicarei. Ouça-me: nostalgia é como chamamos uma lembrança que nos transporta ao passado, a pretexto de nos fazer recordar coisas boas.
- E por que será que isto acontece?
- Eu acho que algo adoece teu coração... E tu descobriste que certas doses de nostalgia diminuem tua dor.
- Verdade... Eu acho que eu estou com isto mesmo. E por que será que as coisas do passado eram melhores que as coisas de hoje?

Quando o menino falou isto, a vaca o repreendeu:

- Não digas assim menino!
- Que foi que eu fiz?
- Tu acabas de tomar uma perigosa colherada de um veneno mortaaaaaaaaal!
- Como assim? Eu não tomei nada!

E o menino começou a imaginar que a vaca já se encontrava um pouco lelé da cuca, como se costuma dizer por ai. Então, ela retrucou:

- Tu não entendes a tua tristeza?
- Acho que não entendo mais nada.
- Amigo meu! Nunca digas: por que foram os dias passados melhores do que estes?
- Por quê?
- Porque não provém da sabedoria esta pergunta!
- Por quê?
- Porque a nostalgia age como veneno no teu coração. Ela paralisa teus olhos e tu não vês o que há de bom na vida ao derredor.
- Não posso ter nostalgia?
- Podes sim!
- Então não entendo.
- Veja... A nostalgia serve para que tu sejas grato pelo dia de ontem, e não, ingrato pelo dia de hoje!

O menino percebeu que perdia sua vida. As palavras de sua amiga vaca foram como que um antídoto, que curou sua mente e seu coração...

Inspirado no texto de Eclesiastes 7:10

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terça-feira, 5 de junho de 2012

Sabedoricidas

Conta-nos a Bíblia, Salomão tornou-se tão sábio, que sua fama se estendeu além dos limites de sua nação.

Durante seu reinado, Salomão dedicou-se a escrever muitas de suas percepções acerca da Sabedoria. Um dos seus ensinos mais profundos resume-se em: não há sabedoria na incapacidade de raciocínio.

Bem, é claro que isto parece óbvio. Contudo, o óbvio e o trivial são inúmeras vezes menosprezados, exatamente por serem como são.

Salomão percebeu que, a Sabedoria, apesar de ser preexistente, independente e dotada de personalidade, manifestava-se em sua vida por meio de seu intelecto e raciocínio. Seus pensamentos o levariam a refletir acerca de suas percepções que, posteriormente, o levaria às ações sábias.

Baseado neste aprendizado, Salomão aconselha a manter a mente equilibrada e fugir de tudo o que possa entorpecê-la.

Não é por mero acaso que um dos seus temas preferidos é o vinho: “O vinho é escarnecedor, a bebida forte alvoroçadora; e todo aquele que neles errar nunca será sábio” Provérbios 20:1.

Em outro provérbio, ele aconselha: “Não é próprio dos reis, ó Lemuel, não é próprio dos reis beber vinho, nem dos príncipes o desejar bebida forte...” Provérbios 31:4.

O efeito do álcool sobre o cérebro humano é devastador. Sob a sua ação, muitos destroem e são destruídos. Não há clareza, não há limites, não há ponderação.

Contudo, não somente o vinho, segundo Salomão, é capaz de nos paralisar o raciocínio. Há algo tão perigoso quanto: a sedução.

Seus conselhos são clamores para que o homem se desvie e evite a exposição. Os hormônios sexuais, quando atingem determinada concentração, dominam-nos como o próprio vinho.

Como evitá-los? Bem, conhecedor da natureza humana, o rei nos alerta: “Porque os lábios da mulher estranha destilam favos de mel, e o seu paladar é mais suave do que o azeite” Provérbios 5:3.

E se este é um perigo tão gostoso e tão agradável, a melhor forma de proteção é exatamente como orienta: “Não se desvie para os caminhos dela o teu coração, e não te deixes perder nas suas veredas” Provérbios 7:25. Em outras palavras: fuja!

Por fim, existe ainda mais um entorpecente do qual devemos guardar nossas mentes. Ele se chama, ira.

Quando nos iramos, somos incapazes de raciocinar com clareza. Porventura, não se diz do colérico: “Perdeu a cabeça”?

A cólera faz-nos perder o juízo e o bom senso. È exatamente como se estivéssemos sob o efeito do vinho ou nas mãos da mulher sedutora. E é obvio que tomaremos decisões que nos levarão na direção errada.

Quando a ira toma conta do homem, ele corre o sério risco de abraçar o prejuízo. É por isto que devemos fugir dela. Acerca da ira, Salomão escreveu: “O homem de grande indignação deve sofrer o dano...” Provérbios 19:19. Ou ainda: “O que se indigna à toa fará doidices...” Provérbios 14:17.

Para o rei, este é um problema tão sério, que não basta não se irar, mas também, evitar os que se iram: “Não sejas companheiro do homem briguento nem andes com o colérico” Provérbios 22:24.

Pelo contrário, há benefícios para os que não se deixam embriagar dela: “A prudência do homem faz reter a sua ira, e é glória sua o passar por cima da transgressão” Provérbios 19:11.

E também: “Melhor é o que tarda em irar-se do que o poderoso, e o que controla o seu ânimo do que aquele que toma uma cidade” Provérbios 16:32.

A ira e a Sabedoria são como água e óleo: “Não te apresses no teu espírito a irar-te, porque a ira repousa no íntimo dos tolos” Eclesiastes 7:9.

Cuidado para não se envenenar contra a Sabedoria!

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quarta-feira, 21 de março de 2012

Vacina da alma

É de difícil explicação, senão mesmo, impossível.

A alma geme e, não raro, o indivíduo não entende o que nela passa. Existe sim uma ferida que não aceita um curativo ou uma bandagem. Não há como submetê-la a uma cirurgia. Não há como tocá-la com as mãos. A dor está lá, mas ninguém a vê. A dor presente somente a sente quem a suporta. Aos outros, aquilo é incompreensível.

O que se espera ao olhar-se no espelho? É óbvio que ver o próprio rosto. Contudo, o que acontece se, ao encará-lo, não se vê a própria face? A primeira reação, indubitavelmente, seria uma súbita surpresa.

É impossível olhar o espelho e não se surpreender com a própria ausência. Assim, afirmo que somos incapazes de evitar algumas feridas. Tal qual a surpresa do espelho que não reflete o que nos parecia trivial.

Um bebê não se surpreende se seu rosto não reflete. Se eu fosse criança, este seria um problema que eu jamais sofreria e, sobre o qual eu jamais escreveria.

Logo, quando uma criança cresce e alcança alguns saberes na vida, saberá o que se espera ao usar um espelho. Eu acho que cresci. Então, as diferentes expectativas são sinais do que nos tornamos.

Um dia, eu olhei um espelho e não vi meu rosto. Assustei-me. Marcou-me profundamente até os rincões da alma.

Esta triste experiência desencadeou diversas reações. Uma delas, o temor ao me aproximar do espelho: e se meu rosto não estiver lá novamente? Isto me provocava medo e pânico. Com o passar do tempo, resolvi que os deixaria de lado. Passei a evitá-los. Não me submeteria mais uma vez a dura emoção que outrora sofri.

Isto é algo que não se pode explicar. Como fazer-me entender? Desenvolvera uma fobia por espelhos que um dia não refletiram um rosto? Que loucura seria esta?

Sim, loucura para os demais, porém, eu sabia que era real. Eu mesmo testemunhara. Logo, ninguém me entenderia.

Contudo, por mais que eu tentasse transparecer que nada havia de errado, percebiam que algo comigo não ia muito bem. Pois, era impossível que compreendessem o incompreensível. Os espelhos me rodeavam por todos os lados, amedrontando-me. Tinha vontade de fugir e, fugi, inúmeras vezes.

Em algumas ocasiões, na tentativa de enfrentar o absurdo, arriscava olhá-lo e, era sufocado pela lembrança do horror. Fui julgado e muito mal compreendido. Com razão.

Quando já não sabia o que fazer, quando já cansado de me esconder, algo esclareceu meu coração.

Involuntariamente, passei diante do mesmo espelho e fitei-o. Revivi a experiência, só que agora, pude analisá-la.

Por que não vi nada? Foi naquele instante que compreendi algo que curou-me a alma.

Em nenhum momento ele quis esconder-se de mim mesmo. Então, por que não o vi? Simplesmente porque o espelho estava embaçado e eu nunca percebera aquilo. Apenas isto.

Jamais me surpreenderei novamente. Agora sei que verdadeiramente o espelho reflete. E, mesmo que não reflita, será esta uma emoção nova para mim? Escrito por Cléber C. FERNANDES

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