quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Os dois lados

Em muitas ocasiões, encontrei-me pensando o que significa existir. Lembro-me que, umas das primeiras vezes que este pensamento surgiu em minha mente, eu tinha uns cinco ou seis anos. Como sei disto? Bem, lembro-me exatamente do contexto.

Eu estava deitado, no mesmo quarto em que dividia com meu irmão. Logo, meus olhos fixaram-se na madeira da cama ao lado. De repente, tudo parecia ilusão, como se nada fosse real. Meu irmão, que se encontrava em sua cama, escutou-me comentar: “Às vezes temos a impressão de que não existimos, não é mesmo?” É claro que não expressei isto de maneira tão formal, mas era isto que eu queria dizer. E ele, com praticamente a mesma idade que eu, concordou.

Eu nunca mais esqueci aquela percepção. Muitos pensamentos passaram em minha mente desde então. Alguns deles, motivos de orgulho. Eu sentia que realmente concebera uma ideia original. Com o tempo, passei a escrever acerca de minhas percepções, e, quanto mais eu escrevia, também, mais me frustrava. A frustração era de que, toda vez que pensava ter obtido uma ideia original, vez ou outra, escutava alguém que se, não falava algo exatamente igual, no mínimo, muito parecido. Ou minhas ideias são muito simples, ou, quem sabe, tudo do que falamos tem origem em algo que um dia ouvimos e saímos repetindo inconscientemente como papagaios.

Como resultado, conclui que não importa quantas ideias possamos ter, pois, alguém, em algum lugar no mundo ou da história, já teria pensado a mesma coisa. Alguns afortunados escreveram sobre elas; outros, não se dando conta da importância de um entendimento, deixaram-no passar.

Um dos pensamentos sobre o qual me ocupei recentemente, fora: onde eu estava antes de estar aqui? Em outras palavras: onde eu estava antes ter nascido, ou, eu já existia antes? Comecei a pensar que outrora eu fora uma ideia, que um dia, materializou-se. Verdadeiramente conclui, através de alguma investigação mental, que poderia ser assim. Bem, quem sabe, seja isto mesmo. E é claro, eu seria uma ideia que estava em primeira mão na mente de Deus. No entanto, preciso confessar. Não estava tão preocupado em saber de onde vim ou se já existia. Preocupava-me saber para onde eu iria quando tudo acabasse.

Voltaria para o mesmo lugar? De repente estou, de repente, não estou mais. E quando não estiver mais, como seria para mim? Se é que seria alguma coisa. É fácil pensar no momento em que eu não estava. Não fazia a menor diferença. O mundo já estava aqui há muito tempo. Ele já girava. Não importava nada o fato de eu não estar aqui. Eu me importava de não existir? Bem, talvez não me importe quando aqui não mais estiver. Mas, de repente, eu era. Eu gostaria de saber, se, no que refere a mim, a realidade da entrada seria a realidade da saída? Um apagar de luzes? Não sei se estou me fazendo entender...

Seria assim a morte? Aparecemos na entrada e desaparecemos na saída? Ou será que transformamo-nos na entrada e transformamo-nos na saída? É uma ideia um tanto perturbadora. Não pelo medo de morrer, mas, pela fadiga do pensar.

E se minha vida é uma história, um registro, que no final, é apagado como se nunca houvesse acontecido? Exatamente como era antes de existir. Mas, aqui, vejo uma diferença do ponto de vista dos momentos... Meu registro apagado, não significaria apagar a minha memória, mas também, aquela memória, aquela marca, aquele traço, de todos quantos aparecem nas minhas páginas, mesmo que fosse num único instante. Isto significaria que muitas histórias estariam incompletas. Seria como recortar minha silhueta de uma foto entre amigos. Em contrapartida, toda vez que olhamos um retrato, deveríamos nos perguntar: não estaria faltando alguém aqui? Mas quem? Aquele que ainda não nasceu...

E se há inferno? Então, admitiria que uma ideia dEle fosse parar lá? E se há céu? É melhor que eu lá esteja. E mesmo que, um daqueles cuja história entrelaçou-se a minha, eu não encontre, a fotografia estará incompleta. E me perguntarei? Onde estará? Quem sabe, seu registro tenha sido lançado no fogo. Mas, se isto aconteceu, é obvio que sua história não fora totalmente apagada, uma vez que nossos laços denunciariam seus vestígios nas páginas da minha existência.

Proponho duas soluções: A primeira, queimar a todos. Deste modo nada sobraria. A segunda, fazer tudo absolutamente novo, sem lembranças, sem histórias. Mas, se for assim, aquele seria eu? De qualquer forma, se isto acontecesse, eu teria mesmo desaparecido, sido apagado, de uma forma ou de outra.

Mas, é claro que não me importaria. Seria como se tivesse nascido no céu, e precisaria aprender e começar tudo de novo, não me dando conta disto, nem do que passou. E daí, eu pergunto? Por que a etapa terrena? Poderia ter nascido no paraíso...

Portanto, quem sabe, tudo não passe de um sonho mesmo. E a realidade que sonho agora, é algo diferente daquele quem realmente sou. Daí, no dia em que despertar, verei a mim. Não me importará que tudo tenha passado, e não terá sido um pesadelo a ideia de não ser mais quem eu sempre fui. Isto porque, quando o dia chegar, estarei consolado e feliz de que finalmente tenha acordado.

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segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A casinha rosa chá

Há algum tempo, perguntava-me acerca do porquê as coisas são como são. É claro, algumas coisas entendemos, ou, pelo menos, pensamos que entendemos. Quando passo pela rua, e vejo uma casa pintada de rosa chá, normalmente, não me perguntaria o porquê dela ser assim.  Obviamente, alguém a teria pintado daquela cor e pronto. É por isto que ela é rosa chá.

Existem milhares de motivos que levariam alguém a escolher uma cor. Se perguntasse às pessoas sua opinião sobre isto, a maioria concordaria que fora uma questão de preferência. Mas, mesmo as preferências têm seus motivos... O fato é que, uma casa nunca é pintada de rosa chá sem que um motivo mais complexo exista por trás deste “simples” fato.

Toda escolha, portanto, trás embutida em si, uma história. A casa rosa chá faz parte dela. Mas, como pensar nestas coisas é demasiadamente cansativo para muitos, acostumamo-nos a dizer: questão de gosto.

Uma reflexão nesta linha sofre muitas críticas. Que importa na prática, saber ou não, por que uma casa fora pintada de rosa chá? Como afirmei, são detalhes para os quais a maioria faria vistas grossas, pelo simples motivo de lhes parecer não servir para nada. E assim, filtramos o entendimento das coisas da vida pelo critério da praticidade e usabilidade. Faríamos o mesmo, caso, no lugar de uma casa, trocássemos nosso objeto rosa chá, por um ser humano? Agora, creio que conseguirei um acréscimo no número de interessados na questão.

Não me interessa saber o porquê de uma casa ser rosa chá, azul, ou verde. Ela está lá, na rua onde passo todos os dias, e isto, não tem a menor relevância. Aliás, o que importa mesmo, é o fato dela proteger e dar abrigo à família que lá habita. E esta também é uma dentre tantas opiniões.

No entanto, tenho de admitir, a casa não é rosa chá sem que haja um motivo para isto, seja esta percepção relevante ou não. Bem, se não é relevante, então, por que me preocupar? E se for relevante, por que ainda não nos damos conta? E no caso de não ser relevante, como posso afirmar isto, com certeza, já que provavelmente, emito esta opinião à partir de meu próprio julgamento do que é ou não é relevante? Bem, caso algo para mim não tenha a mínima importância, isto não quer dizer que não tenha importância para a pessoa que decidiu que a casa fosse pintada de rosa chá. Certamente, algum motivo especial levou-a a ser pintada assim. Logo, concluo que, esta discussão é ao mesmo tempo absolutamente relevante, mas absolutamente irrelevante, dependendo do ponto de vista observado.

Parto da premissa de que aquela casa rosa chá não me é relevante. Em outras palavras, é algo que não me interessa. E se não me interessa, é porque uso o filtro da praticidade e da usabilidade. E neste caso, se não me serve para nada, então, não estaria sendo indiferente, ou, quem sabe, egoísta? Como poderia desprezar o meu próximo, crendo que o motivo que o levou a pintar sua casa de rosa chá, é algo muito pouco importante? Sinto que acabo de desrespeitá-lo, mesmo que ele não saiba nada sobre o que penso sobre a cor de sua casa.

Agora, constato que a casa já começou a ter importância para mim, uma vez que mergulhei nestes pensamentos, que, diga-se de passagem, já tomaram um tempo de minha vida. Quem sabe, a importância que damos as coisas esteja relacionada com a percepção de que elas existem e porque pensamos nelas.

E se eu presumisse o contrário? Se a cor da casa me fosse importante, então, é claro que talvez houvesse um sentido para isto. Das inúmeras respostas (excluindo-se a que todos diriam: eu gosto de rosa chá), talvez sentisse prazer em vê-la bem na minha rua. Ela deixa a paisagem muito bela, e isto é bom, pois, valoriza do ponto de vista estético a região onde moro e, logo, do ponto de vista mercadológico. E aqui chegamos a um ponto comum: não importaria se a casa fosse ou não importante, no final, revelo meu egoísmo.

Sim, eu sei que a casa me é importante. Ela embeleza o local onde moro. Talvez, se fosse azul celeste, não combinasse com os demais imóveis da rua. E daí, eu desejaria que ela tivesse outra cor. Mas mesmo esta constatação, estaria baseado no valor subjetivo que dou ao azul celeste. Quem sabe, caso as demais casas trocassem suas cores, o azul celeste até que não ficaria tão ruim. Não, não. Definitivamente, não gosto do azul celeste. Até que...

Um dia me peguei usando a casa do vizinho. Meu visitante perdeu-se no bairro, mas logo, encontrou onde eu morava. Disse-me: lembrei do que me disseste, sobre a rua com a casa azul celeste da esquina... E foi aquela casa azul celeste, que eu tanto detestava, a melhor referência que encontrei. Agora ela faz parte da minha vida, e, por mais que seja difícil admitir, a lembrança de que ela está lá me deixa feliz.

E é verdade que, no dia em que a casa foi pintada de rosa chá, preocupei-me sobremaneira. Afinal, ela se tornara uma extensão de meu próprio endereço, do meu abrigo, do meu cantinho, da minha futura casa azul que lembra o céu.

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quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Uma aula de saltos e voos

"Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus". Romanos 12:1-2, Almeida RA.

O Apóstolo Paulo, em sua epístola dedicada aos Romanos, faz um apelo aos cristãos: “Irmãos, pelo amor de Deus...!”, paráfrase minha. Após 11 capítulos, o apóstolo abre parênteses, e apela aos destinatários de sua carta.

O apóstolo sabia que, sua recomendação, uma vez atendida, levaria seus irmãos a alcançar novo patamar em sua vida cristã e, a colherem um dom. Rogando, pelas misericórdias de Deus, pede:

“...apresenteis o vosso corpo por sacrifício...”

Neste trecho, a palavra “apresenteis”, no original grego, é a palavra parastêsai. Esta era a palavra que, definia, o ato de exibir, prover, pelo sacerdote, diante do altar, o animal para um sacrifício. Percebe-se, pois, que, o apóstolo, no momento em que escrevia este trecho da carta, tinha em mente uma cerimônia nos moldes dos sacrifícios oferecidos no Antigo Testamento.

O apóstolo rogava que deveríamos nos “parastêsar” diante do altar de Deus. Este ato, segundo ele, santo e agradável ao Senhor, constituía-se no que designou de “culto racional”.

A palavra “racional”, no texto, é a tradução da palavra grega logikên, da qual deriva ainda a palavra lógica. É como se o apóstolo diferenciasse aquilo que se definiria como um “culto espiritual”, de um culto racional.

Como culto espiritual, talvez se entenda a ministração onde fluem os dons espirituais, a profecia, os dons de línguas, as interpretações, os cânticos, as manifestações de poder, etc. E sobre os dons e a maneira como deveriam se manifestar na igreja o apóstolo também escreveu em outras ocasiões.

O culto racional, como culto, ou seja, ministração ou serviço a Deus, também era entendido pelo apóstolo como uma manifestação de caráter lógico. Entendo que, o desejo de Paulo, era que os cristãos entendessem, tomassem uma decisão lógica de apresentar-se, dispor-se fisicamente ao serviço de Deus. E isto não necessariamente consistia em algo espiritualizado, já que um anjo do céu, por exemplo, não era necessário aparecer para que compreendessem que agora, era importante arregaçar as mangas e caminhar.

Talvez Paulo tivesse motivos para crer que, alguns cristãos, não estavam se movendo, ou temesse que isto ocorresse: ou por preguiça, ou comodismo, por ignorância, ou seja lá o que fosse. Na visão de Paulo, a inércia, deveria ser vencida, mediante o “parastêsar”, pois, como poderiam os cristãos alcançar as coisas espirituais, caso não se submetessem a ministração da Igreja? É por isto que Paulo apelou. Em sua visão, todo ato em direção a Deus, também é uma espécie de culto.

Uma vez o corpo à disposição, agora, restava ainda o tratamento da mente. Na sequência, o apóstolo mais uma vez recomenda:

“E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos...”

A palavra “conformeis” é a palavra grega suschêmatizesthai. Ela dá a conotação de “a forma semelhante” ou, “de acordo com um padrão”. Parafraseando, eu diria que o apóstolo exortava-os a não seguir a moda do mundo.

O caminho alternativo sugerido pelo apostolo foi “transformai-vos”. Aqui, uma observação é importante: a transformação é intima. Em nenhum momento, o apóstolo disse que os cristãos deveriam mudar os costumes do mundo sobre os quais ele pedia que não se sujeitassem.

A palavra grega original para “transformai-vos” é metamorphousthai. Herdamos muitos dos radicais gregos para o português, logo, a palavra metamorfose (mudança de forma), é derivada deste termo. Tal, emprega-se comumente na biologia, para designar, por exemplo, o processo de transformação física que alguns animais passam entre a fase juvenil e a fase adulta. Talvez o exemplo mais clássico, seja a metamorfose de uma lagarta em borboleta.

Apesar de não estar se referindo a uma transformação física, o apóstolo utiliza o termo, tornando no original, ainda mais claro o processo de mudança que ele pretendia que cada crente vivenciasse.

De maneira brilhante, fez-se neste pequeno trecho, um paralelo entre o que se esperava de seus leitores: conformar, segundo o mundo, seria o mesmo que esculpir num pedaço de madeira uma peça qualquer, dando-lhe forma, no entanto, ela continuaria sendo madeira. Ao contrário, transformar-se, era aos seus olhos, como aquele que contemplando uma borboleta, duvidasse que um dia fora um animal tão estranho. Conformar não passaria de uma maquiagem, enquanto, transformar, implicaria numa cirurgia plástica radical. Este era seu apelo.

E é verdade que, somente as borboletas alçam voos e conhecem mais flores. Somente os sapos dão saltos. Lagartas e girinos passariam toda uma vida de reduzidas possibilidades. Talvez esta seja umas das respostas do porquê, alguns cristãos, parecem-nos alcançar tanto e outros, tão pouco.

Mas, como alcançar isto? O apóstolo ensina o modo: “pela renovação da vossa mente...”

Os cristão deveriam, submeter-se integralmente (corpo, alma e espírito), permitindo que o modo como pensavam fosse radicalmente transformado pela ministração da Palavra de Deus. Note-se que renovação é ação contínua.

Paulo não recomendava coisas a esmo. Tudo isto tinha um objetivo, que o deixava extremamente entusiasmando: “para que experimenteis qual seja a... vontade de Deus”.

Imaginemos então o tom em que o apelo fora feito. Nada mais, nada menos estava em jogo que a experimentação, por parte da Igreja, da própria vontade de Deus. Experimentação esta que dependia da disposição pessoal em se apresentar diante de Deus e permitir que suas mentes fossem transformadas.

O mesmo Paulo não sabia qual era a vontade de Deus, por isto, escreveu: “seja qual for...”. No entanto, ele, de uma forma amorosa dá indícios de como ela é: “...boa, agradável e perfeita...”. Neste processo, entende-se que, a vontade de Deus, antes de ser conhecida, ela é vivida. Ela é experimentada, dia após dia, renovação após renovação, toda vez que, alguma coisa mudada em nossos pensamentos, coloque-nos cada vez mais perto de Deus, e mais longe do pecado. Ministração no culto de Juniores e Adolescentes em 13/11/2010.

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