segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A casinha rosa chá

Há algum tempo, perguntava-me acerca do porquê as coisas são como são. É claro, algumas coisas entendemos, ou, pelo menos, pensamos que entendemos. Quando passo pela rua, e vejo uma casa pintada de rosa chá, normalmente, não me perguntaria o porquê dela ser assim.  Obviamente, alguém a teria pintado daquela cor e pronto. É por isto que ela é rosa chá.

Existem milhares de motivos que levariam alguém a escolher uma cor. Se perguntasse às pessoas sua opinião sobre isto, a maioria concordaria que fora uma questão de preferência. Mas, mesmo as preferências têm seus motivos... O fato é que, uma casa nunca é pintada de rosa chá sem que um motivo mais complexo exista por trás deste “simples” fato.

Toda escolha, portanto, trás embutida em si, uma história. A casa rosa chá faz parte dela. Mas, como pensar nestas coisas é demasiadamente cansativo para muitos, acostumamo-nos a dizer: questão de gosto.

Uma reflexão nesta linha sofre muitas críticas. Que importa na prática, saber ou não, por que uma casa fora pintada de rosa chá? Como afirmei, são detalhes para os quais a maioria faria vistas grossas, pelo simples motivo de lhes parecer não servir para nada. E assim, filtramos o entendimento das coisas da vida pelo critério da praticidade e usabilidade. Faríamos o mesmo, caso, no lugar de uma casa, trocássemos nosso objeto rosa chá, por um ser humano? Agora, creio que conseguirei um acréscimo no número de interessados na questão.

Não me interessa saber o porquê de uma casa ser rosa chá, azul, ou verde. Ela está lá, na rua onde passo todos os dias, e isto, não tem a menor relevância. Aliás, o que importa mesmo, é o fato dela proteger e dar abrigo à família que lá habita. E esta também é uma dentre tantas opiniões.

No entanto, tenho de admitir, a casa não é rosa chá sem que haja um motivo para isto, seja esta percepção relevante ou não. Bem, se não é relevante, então, por que me preocupar? E se for relevante, por que ainda não nos damos conta? E no caso de não ser relevante, como posso afirmar isto, com certeza, já que provavelmente, emito esta opinião à partir de meu próprio julgamento do que é ou não é relevante? Bem, caso algo para mim não tenha a mínima importância, isto não quer dizer que não tenha importância para a pessoa que decidiu que a casa fosse pintada de rosa chá. Certamente, algum motivo especial levou-a a ser pintada assim. Logo, concluo que, esta discussão é ao mesmo tempo absolutamente relevante, mas absolutamente irrelevante, dependendo do ponto de vista observado.

Parto da premissa de que aquela casa rosa chá não me é relevante. Em outras palavras, é algo que não me interessa. E se não me interessa, é porque uso o filtro da praticidade e da usabilidade. E neste caso, se não me serve para nada, então, não estaria sendo indiferente, ou, quem sabe, egoísta? Como poderia desprezar o meu próximo, crendo que o motivo que o levou a pintar sua casa de rosa chá, é algo muito pouco importante? Sinto que acabo de desrespeitá-lo, mesmo que ele não saiba nada sobre o que penso sobre a cor de sua casa.

Agora, constato que a casa já começou a ter importância para mim, uma vez que mergulhei nestes pensamentos, que, diga-se de passagem, já tomaram um tempo de minha vida. Quem sabe, a importância que damos as coisas esteja relacionada com a percepção de que elas existem e porque pensamos nelas.

E se eu presumisse o contrário? Se a cor da casa me fosse importante, então, é claro que talvez houvesse um sentido para isto. Das inúmeras respostas (excluindo-se a que todos diriam: eu gosto de rosa chá), talvez sentisse prazer em vê-la bem na minha rua. Ela deixa a paisagem muito bela, e isto é bom, pois, valoriza do ponto de vista estético a região onde moro e, logo, do ponto de vista mercadológico. E aqui chegamos a um ponto comum: não importaria se a casa fosse ou não importante, no final, revelo meu egoísmo.

Sim, eu sei que a casa me é importante. Ela embeleza o local onde moro. Talvez, se fosse azul celeste, não combinasse com os demais imóveis da rua. E daí, eu desejaria que ela tivesse outra cor. Mas mesmo esta constatação, estaria baseado no valor subjetivo que dou ao azul celeste. Quem sabe, caso as demais casas trocassem suas cores, o azul celeste até que não ficaria tão ruim. Não, não. Definitivamente, não gosto do azul celeste. Até que...

Um dia me peguei usando a casa do vizinho. Meu visitante perdeu-se no bairro, mas logo, encontrou onde eu morava. Disse-me: lembrei do que me disseste, sobre a rua com a casa azul celeste da esquina... E foi aquela casa azul celeste, que eu tanto detestava, a melhor referência que encontrei. Agora ela faz parte da minha vida, e, por mais que seja difícil admitir, a lembrança de que ela está lá me deixa feliz.

E é verdade que, no dia em que a casa foi pintada de rosa chá, preocupei-me sobremaneira. Afinal, ela se tornara uma extensão de meu próprio endereço, do meu abrigo, do meu cantinho, da minha futura casa azul que lembra o céu.

0 comentários: