sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Irão realmente os tímidos para o inferno?

Foram muitas as ocasiões que sentado em frente a um pregador da Palavra de Deus, ou até mesmo, da boca de outros irmãos, ouvi afirmações tais como: "Os tímidos não herdarão o reino dos céus" ou, "Deixe sua timidez de lado. Fale de Cristo, pois, os tímidos não herdarão o reino dos céus", ou ainda, "Cante, dance, deixe a liberdade do Espírito tomar conta de você e não seja tímido, pois os tímidos não herdarão o reino dos céus..."

Para uma pessoa tímida, o que seria mais amedrontador? Todas as vezes em que fora empregada, o apelo trazia explícito a condenação da inibição.

Após algum tempo de estudos, análises e meditação, resolvi escrever este pequeno artigo, para que, de acordo com o entendimento que adquiri, esclareça a quem se refere o Autor do texto Sagrado.

Bem, para iniciarmos, não existe nenhum texto bíblico que afirme que os tímidos não herdarão o reino dos Céus. Existe, porém, neste contexto, a expressão “herdar o reino de Deus”, aliás, muito utilizada pelo Apóstolo São Paulo. Numa de suas cartas, ele nomeia algumas classes de pecadores que não herdariam o reino de Deus, tais como, idólatras, adúlteros, homossexuais, ladrões, entre outros (I Coríntios 6:10). Encontramos também algo semelhante em Efésios 5:5.

Em outro texto, no livro de Apocalipse, São João descreve uma lista semelhante à de São Paulo, onde, os tímidos são elencados como aqueles que sofrerão a segunda morte, lançados no lago de fogo e enxofre.

Assim, os cristãos misturam os dois textos. Logo, atribuem o castigo descrito por São Paulo a um dos presentes na lista de São João. Apesar de castigo e condenados aparecem em listas separadas, creio que se trata do mesmo julgamento. Somente deixo claro que são textos diferentes.

É necessário que tenhamos um entendimento correto da Palavra de Deus para não cairmos em erros e levarmos muitos a praticá-los. Por causa disto, infelizmente, existem muitas heresias e falsos ensinamentos. Acredito que tais erros, na maior parte, surjam, não de forma intencional (afinal de contas, qual pregador consciente de sua responsabilidade em Cristo gostaria de cometer uma heresia?). Todavia, falsas interpretações podem levar milhares ao inferno e, é verdade que muitos são usados pelo diabo.

Recentemente, ouvi de um pregador que Martinho Lutero ajudou na colonização dos Estados Unidos da América, indo de cidade em cidade e fundando vilarejos (motivo pelo qual esta seria uma nação de maioria protestante). Pelo que a história conta, Martinho Lutero começou a Reforma, por volta do ano de 1517, na Europa, século XVI, ou seja, a América era recém descoberta. Os Estados Unidos da América foram colonizados pelos ingleses muitos anos depois e, Martinho Lutero, um alemão, nunca colocou seus pés em continente americano.

Não serei conservador e farisaico a ponto de elevar a erudição ao princípio mais importante na pregação do Evangelho. Os próprios Apóstolos Pedro e João foram considerados "indoutos e iletrados" (Atos 4:13), porém, o Espírito de Deus agia através deles e os doutores da lei ficavam admirados com sua sabedoria. Tenho consciência de que a revelação do Espírito Santo está acima de qualquer conhecimento humano. Contudo, preocupa-me que um erro como o citado anteriormente coloque em xeque a credibilidade do pregador e da pregação, pois, se há um erro como este, quantos outros conceitos e informações incorretas existiriam na mensagem transmitida?

Necessitamos manejar bem a Palavra de Deus, como sugere o Apóstolo São Paulo a Timóteo (II Timóteo 2:15) e, vigiar, para não transmitir mentiras e falsos ensinamentos ao povo de Deus.

O texto a seguir, foi retirado do livro do Apocalipse, mais precisamente de seu capítulo 21, versículo 8. Na tradução em português Revista e Corrigida de João Ferreira de Almeida (1990), texto tradicional usado e preferido na maioria das igrejas protestantes, encontra-se escrito da seguinte forma:

"Mas quanto aos tímidos, e aos incrédulos, e aos abomináveis, e aos homicidas, e aos fornicários, e aos feiticeiros, e aos idólatras, e a todos os mentirosos, a sua parte será no lago que arde com fogo e enxofre; o que é a segunda morte".

O texto é fortíssimo e coloca os tímidos no mesmo patamar que todos os outros pecadores, tais como, homicidas e feiticeiros, que não herdarão os novos céus e a nova terra.

Imaginemos como se sente uma pessoa cristã e tímida ao ouvir a palavra citada acima. A verdade é que nunca concordei que Deus jogaria alguém num lago de fogo e enxofre devido sua timidez. Então, contrario a palavra de Deus? Não. Nunca tive tal pretensão e tamanho sentimento de rebeldia, porém, sempre estive atento para bem entender o que Deus quis revelar ao transmitir estas palavras ao Apóstolo São João, em seu exílio, na ilha de Patmos.

Certa vez, eu observava o comportamento de uma criança. Ainda era muito jovenzinha e, assim que se aproximou um estranho, simplesmente tornou-se tão envergonhada, que seu comportamento mudou instantaneamente. Aquilo me levou a esta reflexão: Como pode uma criança que está apenas começando sua vida ser tão tímida?

Antes, eu imaginava que a timidez era provocada por traumas e frustrações (o que pode também estar correto), porém, como uma criança tão nova adquirira tais traumas? Conclui que, a timidez seria uma característica da personalidade tal como qualquer outra característica. Existem pessoas que desde muito jovens são muito extrovertidas, falam bastante; outras, dificilmente riem, enquanto há das que são muito divertidas.

A timidez é nada mais nada menos que, mais uma das inúmeras características que compõem a personalidade de cada ser humano. Também entendo que a timidez exacerbada ou excessiva, pode decorrer de uma psicopatologia. E quaisquer outras características podem, da mesma forma, apresentarem-se doentias. Existem casos de pessoas que buscam tratamento médico especializado. Conta-se a respeito de doentes que, não conseguem assinar uma simples folha de cheque em público. Alma, sentimentos e personalidade estão intimamente ligadas. A característica, timidez, expressa-se dentro dos limites da normalidade ou não.

Quando um filho tira uma boa nota na escola e não recebe a devida apreciação, dos seus pais, por exemplo, é possível que seja exposto a um sentimento de frustração, que marcará sua personalidade. O mesmo ocorre com o filho que é mandado calar-se todo momento. Talvez, ele pense que ninguém goste de ouvi-lo e passe a evitar o diálogo ou expor suas ideias publicamente. Como não sou psicólogo, ficarei por aqui e volto ao texto bíblico.

No livro de São Marcos, capítulo 4, versículo 40, no relato em que Jesus apazigua a tempestade, encontra-se: "E disse-lhes: Por que sois tão tímidos? Ainda não tendes fé"? (Tradução de João Ferreira de Almeida).

Neste pequeno trecho, Jesus faz alusão à timidez dos seus discípulos. Será que Jesus repreendeu seus discípulos por serem envergonhados? Pela análise da conjuntura em que se dá a repreensão, e da indagação que advém, percebe-se: a timidez a qual Jesus se referia é o mesmo que a carente e pequena fé. Os discípulos não estavam acanhados, encabulados ou envergonhados, porém, desconfiados e amedrontados. A sua timidez era o sentimento de incapacidade, insegurança e temor. Obviamente, a timidez com senso de acanhamento encerra o temor. Contudo, um indivíduo por mais acanhado ou recatado que seja, em meio a tão presente perigo, esquece-se de seus pudores.

Um jornal trouxe a seguinte manchete: "Orçamento elaborado pelo governo prevê tímidos investimentos para saúde". Não precisamos ser doutores em interpretação para compreendermos o que o texto quer dizer.

O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, editora Objetiva, conceitua a palavra tímido de duas principais formas: acanhado, falto de desembaraço, ou, que tem temor, receoso. O que os discípulos sentiram foi o temor e o receio. Eles não colocavam sua fé em prática e aceitavam o fato de que todos pereceriam em meio à tempestade. Por isto, Cristo os questionou: "...Ainda não tendes fé"?

A palavra grega original que aparece nesta passagem deriva de δειλός (Deilos, ver Strong # 1169). Por que sois tão “deiloi”, perguntou Jesus. Esta é a mesma palavra encontrada nos textos já citados de Apocalipse, São Marcos e ainda, São Mateus, capítulo 8, verso 26.

A palavra, tímidos (deilos), aparece três vezes no Novo Testamento e é traduzida, em diversas versões, por covardes e medrosos. Então, não seriam os covardes aqueles que temem? Mais uma vez, faz sentido. Estes covardes serão aqueles que não depositaram sua fé em Cristo, os medrosos que devido a perseguição, negaram a fé e fugiram do compromisso. Envergonharam-se de Cristo e preferiram não se envolver na causa cristã.

Como vemos, a palavra original do texto grego não faz referência à timidez no sentido de acanhamento, que, para o caso, apresenta as palavras derivadas de αἰσχύνη (Aischune, ver Strong #152 e 153) ou ἐπαισχύνομαι (Epaischunomai, ver Strong #1870) e aparecem inúmeras vezes no Evangelho e nas Epístolas. Como exemplo, sugiro a leitura dos textos de São Lucas 14:9, 16:3 e Romanos 1:16, para entender onde foram empregadas (talvez existam outras palavras que nos remetam ao mesmo sentido, no entanto, creio que estas bastam para esclarecimentos).

A versão inglesa King James da Bíblia Sagrada (KJV), traduz a palavra grega deiloi, no texto de Apocalipse, fearful, como vemos a seguir:

“But the fearful, and unbelieving, and the abominable, and murderers, and whoremongers, and sorcerers, and idolaters, and all liars, shall have their part in the lake which burneth with fire and brimstone: which is the second death”.

Em língua portuguesa, fearful, segundo Michaelis, é também o mesmo que medroso ou receoso.

Logo, está claro que são os deilos os que não herdarão o reino dos céus, e não os aischune. Embora, aqueles que se epaischunomai do Evangelho, correm igual risco de ficar do lado de fora.

Espero que à luz da palavra de Deus dada pelo Espírito Santo revelador, e à luz da razão, da qual o Senhor nos tem dotado a fim de que também a utilizemos, possamos a cada dia obter o entendimento necessário para o nosso crescimento e, consequentemente, do maravilhoso Corpo de Cristo do qual fazemos parte. Escrito em 2004, Rouen, França.

2 comentários:

Luzia Luz disse...

Ooooi Cleber!! Parabéns pelo Blog, vc escreve muito bem!!!
um bJo grande, Márcia.

Tias da Escolinha disse...

Glória a Deus!!!!

Totalmente esclarecedor e altamente didático! Deus abençoe!!!!

Sandra,
www.tiasdaescolinha.blogspot.com