quarta-feira, 21 de março de 2012

Vacina da alma

É de difícil explicação, senão mesmo, impossível.

A alma geme e, não raro, o indivíduo não entende o que nela passa. Existe sim uma ferida que não aceita um curativo ou uma bandagem. Não há como submetê-la a uma cirurgia. Não há como tocá-la com as mãos. A dor está lá, mas ninguém a vê. A dor presente somente a sente quem a suporta. Aos outros, aquilo é incompreensível.

O que se espera ao olhar-se no espelho? É óbvio que ver o próprio rosto. Contudo, o que acontece se, ao encará-lo, não se vê a própria face? A primeira reação, indubitavelmente, seria uma súbita surpresa.

É impossível olhar o espelho e não se surpreender com a própria ausência. Assim, afirmo que somos incapazes de evitar algumas feridas. Tal qual a surpresa do espelho que não reflete o que nos parecia trivial.

Um bebê não se surpreende se seu rosto não reflete. Se eu fosse criança, este seria um problema que eu jamais sofreria e, sobre o qual eu jamais escreveria.

Logo, quando uma criança cresce e alcança alguns saberes na vida, saberá o que se espera ao usar um espelho. Eu acho que cresci. Então, as diferentes expectativas são sinais do que nos tornamos.

Um dia, eu olhei um espelho e não vi meu rosto. Assustei-me. Marcou-me profundamente até os rincões da alma.

Esta triste experiência desencadeou diversas reações. Uma delas, o temor ao me aproximar do espelho: e se meu rosto não estiver lá novamente? Isto me provocava medo e pânico. Com o passar do tempo, resolvi que os deixaria de lado. Passei a evitá-los. Não me submeteria mais uma vez a dura emoção que outrora sofri.

Isto é algo que não se pode explicar. Como fazer-me entender? Desenvolvera uma fobia por espelhos que um dia não refletiram um rosto? Que loucura seria esta?

Sim, loucura para os demais, porém, eu sabia que era real. Eu mesmo testemunhara. Logo, ninguém me entenderia.

Contudo, por mais que eu tentasse transparecer que nada havia de errado, percebiam que algo comigo não ia muito bem. Pois, era impossível que compreendessem o incompreensível. Os espelhos me rodeavam por todos os lados, amedrontando-me. Tinha vontade de fugir e, fugi, inúmeras vezes.

Em algumas ocasiões, na tentativa de enfrentar o absurdo, arriscava olhá-lo e, era sufocado pela lembrança do horror. Fui julgado e muito mal compreendido. Com razão.

Quando já não sabia o que fazer, quando já cansado de me esconder, algo esclareceu meu coração.

Involuntariamente, passei diante do mesmo espelho e fitei-o. Revivi a experiência, só que agora, pude analisá-la.

Por que não vi nada? Foi naquele instante que compreendi algo que curou-me a alma.

Em nenhum momento ele quis esconder-se de mim mesmo. Então, por que não o vi? Simplesmente porque o espelho estava embaçado e eu nunca percebera aquilo. Apenas isto.

Jamais me surpreenderei novamente. Agora sei que verdadeiramente o espelho reflete. E, mesmo que não reflita, será esta uma emoção nova para mim? Escrito por Cléber C. FERNANDES

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